sexta-feira, 29 de julho de 2022

 Não sei se rasgo

Se é na pele que esparge

O sufocado em mim


Não sei se rio

Se esguio

É como um torpor enfim


Do rodopio

Respiro um pouquinho

Vento frio... Tem alguém aí?


Por aqui já perdi o tino

a sina, o tico e o teco

e continuo existindo.






terça-feira, 31 de agosto de 2021

Um rascunho de 2016


Inspiro e expiro
Faço pausas 
Ponho-me a estudar
As tensões
As pressas
O medo de aprofundar
De soltar
De me conhecer

Observo esses ritmos
confusos e comprimidos
Brinco com o tempo
Afrouxando os pulmões
Resgatando direitos inatos
Liberando o que não sou
E pondo sol naquilo que fica

No que não consigo ainda tocar
No que me preparo para ver


quinta-feira, 21 de abril de 2016

Tuas palavras

Tuas palavras
Tocaram as minhas
Em terras
Que só a poesia alcança

Estavam cansadas, esquecidas
Afogadas, sufocadas
Inflamadas.

Juntas sopramos poeiras
Fizemos preces
Dançamos em volta do fogo
De mãos dadas

A ciranda
Das mulheres-lobos
Dos pés descalços
Da carne rasgada.

Cheguei aqui

Cheguei aqui
Para lhe mostrar
Como eu própria
Sustento-me.

Ele não sabe
Do fio tênue onde equilibro
Os choros abafados.

Só vê esse rosa-lilás
Contornos dourados
Anéis de Tucum
E meu olho-chama.

Tenho certeza que vê.

De peito erguido
Exponho o cartaz:
Sua previsão de morte não vingou!

A vida me aceitou.
Quer você queira
Quer não.

Enquanto te esperava

Enquanto te esperava
Arquétipos antigos
Brindavam meu feminino

Aranhas de Louise
Inchados ventres
Mulheres-anjos de asas amputadas

Tanto mudou.
Tanto chegou.

Pensei se ainda sei de mim
Se ainda toco
lugares incendiados...

Atenta,
Alas de gansos e gaviões
Desfilavam.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Os seus olhos matam minha sede, meu menino. Já nem sei dizer direito quem fui, quem serei. Só sou. Mãe-mamífera cheia de leite-calor-proteção. Mãe-águia, mãe-beija-flor. Um infinito sentimento de amor me arrebata. Suas mãos, fonte de toda delicadeza. Seu sorriso, sua pele, sua alegria, minha morada. Seu cheiro, seu cheiro, seu cheiro... Ahhhh.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Tecelã de palavras


As palavras que não escrevi implodem. Dentro do corpo, nos lugares inquietos da minha alma. Distanciada do que foi, por mais de uma década, meu forte recurso de sobrevivência no mundo simbólico, fico sem saber o que fazer com tanto sentimento não passado pela senda da poesia - lugar de pegar palavras-sentimentos e fazer alquimia, mergulhada numa ordem que transforma incômodos em nascimentos viscerais. 
Um dia desdenhei as pérolas literárias produzidas em profunda fidelidade comigo mesma. Não lhes acolhi no espaço mais bonito do coração. Deixei pra lá, como se não me dissesse mais respeito, como se não me fosse mais necessário o corte da palavra. Mas eu sei que, no íntimo, eu só queria sair do mundo das ideias e viver cada gota de cachoeira limpando minhas confusões egocêntricas, cada pisada na terra fortalecendo meus pés-raízes. Não observei a arrogância e a falta de gratidão. E hoje, implodida das palavras que não escrevi, das elaborações que não fiz, chamo a velha tecelã adormecida que mora em mim para darmos continuidade às colchas de retalho-palavra. Eu, velha tecelã de palavras. Eu, mulher empoderada e parideira. Eu, criança ferida. Integradas para iluminar escuridões, para ensolarar.
Então, nesse momento, sou tomada por uma especial compreensão sobre meu girassol: ele nunca deixou de ser noturno. O poderoso sol o alimenta e guia em suas infinitas circuladas, mas é a noite que nos encontramos e eu o tomo de amuleto e lamparina na lide com minhas sombras.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O rasgo das palavras

Encolhida feito feto, ponho-me a pensar nas referências de mim mesma. Onde tropecei, que nem mesmo vi? Um tanto confusa, lembro-me deste lugar-refúgio de palavras. Um tanto confusa, indago se aqui ainda cabe um pouco de mim, dos meus ais, dos meus suspiros e também da falta de ar. Por que volto, se tanto acreditei que esse caminho, uma vez clareado, jamais voltaria a ser escuro? Não sei, mas algo me diz que se cá estou, coisas perdidas vim buscar. Antes de parir, para morrer e renascer mãe. Vim buscar o rasgo das palavras. O rasgo que dá passagem. O rasgo que me fez crescer, conhecer a dor e transcendê-la. O rasgo que deixei para lá, preenchida pelas cores das flores, pela cachoeira saciando minha sede, as medicinas da floresta cuidando da minha fome, a alegria, tão somente a alegria... Para quê voltar para o rasgo que é escrever? Pois é. Grande mistério. Grande liberdade. Depois da expansão, vem contração. Movimento universal – das minúsculas às grandes partículas. Contraindo, rasgando e significando.
Mais um texto sem desfecho.

domingo, 31 de março de 2013

Sopra um vento que encontra meu peito. Que ar sutil é esse, como uma pluma a se desmanchar vagarosamene? Olho para dentro e sinto meus nervos ainda tensionados ao redor e por entre o coração... Trancas de defesa, de um endurecer para não sentir mais. Puxo o ar pelas narinas até chegar aos pulmões de pouca expansão. Percebo o diafragma em seu posto sentinela, contraído para cima, ajudando-me na maléfica função de não soltar o pesçoco e a cabeça - um controle que já não faz mais sentido algum. Pacientemente, como a negociar com minhas tensões, demoro-me mais na respiração, ampliando a onda que vem e vai. Sim, há uma grande surpresa: eu posso respirar, posso sentir, posso aceitar. E a barulheira de outrora, trazida de fora para dentro só para amortecer, já não me impede de escutar que um presente tão interior chegou. E tudo que eu já esperava se repetir, desmorona. Um desmoronar suave, muito suave. São os espelhos trincados que não restiram à força da verdade. Da verdade que me diz: sim, você tem direito ao ar, à terra, ao fogo e à água. E eu suspiro aliviada, sentindo em mim o abraço do vento nas árvores, que passa a bailar toda a fluidez do universo.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

jasmim e o vento

um pé de vento
correu
para o pé de jasmim

foi tanto cheiro bom
que não existia
nem eu nem tu

a natureza
que é rainha
mostrou meu lindo lugar:
ser pequenininha.

Dos abraços que me dou

Havia um medo
Que só foi embora
Após ser acolhido
Por mim mesma

Só há amor
Se este é capaz de fazer
Do meu coração
A minha grande mãe.

Ser árvore

Muito a dizer é não ter nada a dizer.

Fico com esse sol acordando dentro do peito,
O apaziguante abraço da terra que é mãe
Em seu útero - suporte de vida
Onde seguramente posso libertar minhas raízes
Ser árvore:
Aconchego dos bichos
Sombra dos caminhantes
Casa das velhas sábias
Parque dos curumins
Colo das águas, colo meu
Na firmeza das estrelas.
 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Aqui-agora


É chegado o momento: o sol vem deitar suas luzes no lar que sobrevive. Tanto amarelo-ouro no abraço que os braços se alargam para alcançar – já sabendo que tudo cabe ali, pois tudo já está. Preto velho espia a passagem, com seu cachimbo defumador a abrir os caminhos da abundância. A Grande Mãe aceita o convite e pousa ao lado das flores – é Jasmim anunciando a simplicidade perfumada. Refazer caminhos para unir. Alegria para elevar. Agradecer para transmutar.Ser para estar.


sábado, 26 de novembro de 2011

Abri a janela,
Pus cortinas azuis:
Vento de Iansã
A tirar poeiras.

Descobri
Pernas dançantes
Ombros tranqüilos
Vida-aconchego.

E tudo mudou.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Desapegos da jornada

Meses deslizaram torpes e sagrados.
Sequer posso tocar tanta amplidão, tanto arfar em meio às sombras que iam recebendo luz.
O vale noturno, por onde o girassol muito se nutriu e excretou, precisou ser abandonado. Levemente, como tinha de ser. Sem nada levar. Sem nada voltar para buscar.

- - -

Um corpo molenga, de rigidez-escudo, começa a erguer seu peito e firmar seu ponto - menos caboclo não haveria de ser.

A desindentificação simplesmente aflora em seus primeiros passos. É mesmo flor: delicada e me faz rir. Percebo que as extensões, onde tanto amarrei meu pé, podem ser desfeitas como numa grande brincadeira de criança. 

- - - 





quinta-feira, 3 de março de 2011

Do que se é

Se ainda sou um girassol noturno? Pergunta difícil. Para a grandeza da noite, eu, tão metida a altiva, fiquei pequena. A pequena que sempre fui e nunca vi. São tantos espelhos mentirosos que a gente encontra para pendurar na penteadeira. Ou mentirosos somos nós? Se o que fui era tão noite e grande, pequena eu quis ser dia. Sol a queimar a antiga pele até descascar. Azul vistoso para abraçar minha nova criança. Com minha ametista pendurada no pescoço, eu desejei deixar para trás minhas máscaras e minhas já conhecidas fomes de queda. Não compreendi que aquele ser, que também buscava o mesmo azul, cortava junto a mim suas amarras, na mesma sincronia de sempre. Não sabíamos que haveria um trajeto que apenas solitariamente poderíamos passar. Achei que era o fim. Ele enfrentou a solidão. Eu não. Agarrei-me em outra mão pelo velho medo de ficar sozinha. Mão áspera, cheia do mesmo espinho que eu cultuava para minhas autosabotagens. Ferida, entrei para dentro da gaiola que a mão queria carregar. Minha nova pele logo inflamou, o olhar baixou e eu quis anoitecer girassol. Quase acreditei que de nada servira tantos passos, tanto amanhecer e anoitecer. Ainda bem que foi "quase". E esse texto termina assim, como se ainda tivesse muito a dizer. Sem desfecho porque este é mais um início.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Meu corpo se pôs a dançar
em direções múltiplas,
estimulando movimento
de símbolos sagrados.

podem as mandalas, caleidoscópio
flor de lótus
provocar transcedências
nesses lodos?

soube em silêncio:

enquanto dormir
o meu totem
e recusar o fechar de olhos
vertigens espirais não serão anunciações.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Dia

Ando com vontade de clarear isso aqui.
A noite tem me sido tão indigesta.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Lugar

Aqui, o barulho dos corredores
Parece não me dizer respeito.

Atravesso quase invisível
As densas camadas da escassa interação
Como se fosse para fora,
Como se fosse estranho.

Insistente, quando não indecisa,
Essa realidade arfa sobre mim
Com seus tentáculos atrozes.

Às vezes humilde,
Noutras desencorajada,
Permaneço em meu lugar:

Enumerando solidões.


(Isabella Maia)

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sagrado coração

(...)

E quando vi seus olhos
E a alegria no seu corpo
E o sorriso nos seus lábios
Eu quase acreditei
Mas é tão difícil

Por isso lhe peço, por favor,
Pense em mim, ore por mim
E me diga:
- Este lugar distante está dentro de você.
E me diga que nossa vida é luz
Me fale do sagrado coração
Porque eu preciso de ajuda.


(Renato Russo - Sagrado coração)